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sexta-feira, 27 de março de 2009

Maria das Dores Gomes Lins de Albuquerque








Maria das Dores Gomes de Albuquerque - Iaiazinha


A última Iaiá


Os tios e tias, para mim, muitos mais do que os padrinhos, são e serão sempre anexos ou prolongamentos dos meus pais Iraci e Waldemar.
A primeira tia que me conheceu foi tia Iaiá. Isto nos primeiros momentos do meu nascimento no dia 1º de janeiro de 1944. Assistindo ao 3º parto da minha saudosa mãe, tia Iaiá foi quem primeiro me deu a mão para entrar neste mundo. Esse dia, único para mim, foi também para Alagoa de Baixo. A partir desse dia a minha cidade obtinha o registro de batismo como Sertânia, outorgado na véspera 31 de dezembro de 1943, graças ao poeta Ulisses Lins de Albuquerque, parente afim e de quem me tornaria, alguns anos depois, amigo e discípulo, nas diversas vezes em que passei férias na sua Fazenda Conceição. Tanto quanto eu, estava contando com 1 (um) dia de existência. Da minha parte, graças à presteza de tia Iaiá, sobrevivi a uma violenta hemorragia umbilical. Daí por diante a minha vida, juntamente com as das minhas irmãs Cacá, Lourdinha e Fátima, transcorreu paralela com a existência alegre e feliz da casa de tia Iaiá e tio Arcôncio com os nossos primos José Etelvino, Manoel Afonso, Paulo, Rafael, Ceci, Glorinha, Lice, Arconcinho e Lúcia. Sem esquecer os agregados: Titia, Etelvina, João Adão, Sr. Antônio Marinheiro, Cizila, Irene, Siá Tila, Leopoldo, Iracema e demais freqüentadores dos fins de tarde daquela casa e daquela família, tais como: Dona Santa de Sr. Assis, Dona Lourdes de Sr. Vitorino, Maria Freire para o alegre jogo de canastra, Dona Senhora e muitas outras comadres, compadres e centenas de afilhados. Naquele tempo sem o advento da televisão, era uma festa, quase tertúlia, as reuniões, à noitinha, antes da sessão do cinema, sob o som saudoso da difusora do Cinema Emoir, no terraço que dá para a praça. Camarote privilegiado da eterna (para mim) Praça, ainda com o nome do grande abolicionista, republicano e poeta pernambucano Martins Júnior, dali observava-se tudo, ao mesmo tempo em que inebriados com o perfume do jasmim lilás do jardim que a tudo perfumava, assistia-se ao desfile galante das moças e rapazes, circulando alegres ou algumas furtivas lágrimas, beijos e arrulhos de corações jovens e apaixonados. Do terraço dessa casa, até hoje bem conservado, observei alguns acontecimentos que permanecem indeléveis na minha história: a Festa das Nações, organizada por Dona Liu Pinheiro, da qual tia Iaiá, com outras senhoras da sociedade, como Alicinha Lins, as primas Yolanda e Teophila Gomes Lopes, Maria Alice Gomes Lafayette e outras, faziam parte da Barraca da Holanda, enquanto a tia Chiquinha fazia parte da Barraca da Espanha, os desfiles do dia 7 de setembro que sempre se encerravam em frente à Prefeitura Municipal, o velório do seu querido filho Manoel Afonso Lins que contou com a presença da maioria dos nossos primos e parentes do Monteiro, de Afogados da Ingazeira e do Recife, o casamento de Lúcia de Fátima e as torcidas e contagens, alegres ou dolorosas, de votos nas apurações de eleições ali no prédio vizinho da Prefeitura e os inúmeros aniversários e jantares de natal e de ano novo.
Natural de Jabitacá, antiga Varas, tia Iaiá criou-se e atingiu a adolescência e a mocidade passeando entre a Fazenda Caiçara do seu avô materno Coronel José Gomes dos Santos, a Fazenda Santa Tereza dos tios José Augusto e Nana, a lendária Fazenda Varzinha do tio-avô coronel Paulino Raphael, a bela cidade do Monteiro na Paraíba, o Colégio da Damas no Recife e a nossa Sertânia.
Matriarca descendente da cepa dos Gomes dos Santos, dos Raphael e dos Teixeira de Vasconcelos, tia Iaiá trazia no sangue e no caráter a nobreza e a retidão da mãe Leonila Gomes Raphael, a coragem e a sinceridade da tia Santa (Joana Amélia) Gomes Santa Cruz a ética cristã da tia Felismina Gomes dos Santos, a sensibilidade da tia Filomena Gomes de Torres e a doçura da tia Ana (Nana) esposa do poeta José Augusto da Santa Teresa e para coroar o seu caráter a honestidade de Manoel Raphael Sobrinho – seu pai.
Até 1961, quando então me transferi para o Recife, em todos os momentos, alegres ou tristes da casa da tia Iaiá, mamãe e nós, nunca deixamos de estar presente naquele, sempre simpático e alegre, solar da Praça Martins Júnior. Mesa farta e variada, era um regalo para quem nela tomasse assento. Era uma honra almejada por muita gente os almoços domingueiros com maravilhosos cozidos, buchadas ou mãos de vacas suculentas acompanhadas do pirão de farinha de mandioca e do de cuscuz e ainda a soberba carne de bode assada. Depois o pudim de laranja ou a saborosa salada de frutas. Os cafés variados e ricos dos fins de tarde, eram quase uma ceia. Ah! Os bolos marmorizados com veios de chocolate, o bolo de caco temperado com cravo, canela e erva doce, as tapiocas com manteiga e o queijo assado no fogão de lenha. Era um verdadeiro ritual que acontecia todas as tardes com as suas comadres, amigas, eleitoras e colegas de trabalho na Prefeitura como Maria Amélia de João Dudu, Naci Freire, Carminha Brito e ainda mamãe ou tia Chiquinha, entre outras. Os aniversários, primeiras comunhões e as ceias de Natal.
Outros momentos inesquecíveis, sob a responsabilidade da querida tia, foram as temporadas e as festas de São Pedro na Fazenda Cacimbinha e voltando outra vez para a cidade, os dias de feira com a chegada de compadres e comadres dos sítios distantes do município, moradores da Cacimbinha e da Lage dos Pires como Sr. Francisco (Tiquinho), João Viana, Siá Teresa e a Comadre Senhora de Antônio Marinheiro com a sua filha Carminha. Entre outros, lembro-me do Sr. Aprígio Siqueira de Albuquerque Né, Joana do Brabo, João Adão, Malaquias e a passagem, inesquecível, do lendário tio-avô do tio Arcôncio - o famoso e respeitado Sr. Pule – Major Napoleão de Siqueira, do alto de sua estatura de quase dois metros empunhando a sua bengala, quase uma espada e acompanhado, quase sempre, pelo filho Chiquinho e a nora Ismaelita. Ah! E o que dizer dos dias de eleições. As centenas de eleitores para o almoço e o transporte de ida ou volta para os distritos e sítios do município?
Além dos familiares, amigos, compadres e eleitores a casa da Praça Martins Júnior de Arcôncio e Iaiazinha, sempre teve as portas abertas para muita gente. Desde ministros, governadores, secretários de Estado, senadores, deputados, parentes, amigos e não amigos, traidores dos acordos políticos, até uma infinidade de compadres, sem falar nas centenas de afilhados, que segundo penso eram mais de um milhar, e inúmeros agregados da zona rural. Também das freguesas dos bonitos enxovais de batizados, saídos das suas mãos e dos ensinamentos da mãe Leonila e das freiras do Colégio das Damas da Instrução Cristã do Recife, onde além de bordados, estudou música e aprendeu a tocar violino.
Herdeira da tradição de bem receber e acolher dos Gomes dos Santos e dos Raphael, naquela longa mesa e naquele terraço acolhedor havia sempre um lugar a mais para uma visita repentina. Cidadã sincera e corajosa, esposa e mãe dedicada e carinhosa com os seus diletos e amados filhos, deixou um das mais belas heranças para a posteridade e para a História de Arcôncio e Iaiazinha – a belíssima união dos seus filhos, o amor pela vida no campo e a fidelidade ao hino de João Pernambuco e Catulo da Paixão Cearense – Luar do Sertão, e Casinha Pequenina, suas músicas preferidas.
Iaiazinha Gomes Lins de Albuquerque encontrou-se com Cristo, Nossa Senhora dos Remédios, seu avós José e Honorata, seus pais Manoel e Leonila, seus irmãos José, Carmelita, Iraci, Francisquinha, Anunciada, Zélia Teresinha e seus amigos no dia 22 de agosto de 2005.


Olinda, Setembro de 2005

Marcos Cordeiro

Um comentário:

  1. Ah Marcos, como foi gostoso recordar esses momentos de nossas vidas, em que Tio Arcôncio e Tia Iaiá estiveram sempre presentes. Sentiamo-nos como uma extensão da sua casa, como filhos, como componentes da familia, mais que sobrinhos ou primos.
    Nada se fazia sem antes se passar na casa de tia Iaia, antes da matinê, antes do filme noturno, nas tardes de domingo, nas brincadeiras no coreto que ficava na praça da frente...
    Os almoços nos dias de eleição, a casa cheia de gente dos sítios e redondezas. O que acontecia também nos sábados, dia de feira...
    A mesa enorme sempre posta para o café.
    O espelho da sala, onde todos íamos nos olhar antes das festas do América ou qualquer evento.
    A figura de tio Arcôncio, que para nós era um super-heroi, de capote e chapeu, durão e generoso, sempre acompanhado pelo inesquecível Antônio Marinheiro, seu fiel escudeiro.
    Tia Iaiá sentada no terraço ao lado de nossa mãe, conversando, recebendo as comadres e vigiando nossas brincadeiras e depois namoricos na praça.
    A praça do cinema, a praça da Prefeitura, a praça de tio Arcôncio e tia Iaia.
    As viagens para a Cacimbinha, as férias, as cantorias, os xotes e as fogueiras... Sêo Wilson, o motorista. O dia em que a marinete perdeu os freios e saiu da estrada caindo num barranco, e ficamos literalmente soterrados da bagagem mais incrível que se possa imaginar, incluindo caixas de frutas, bode, etc...
    A luz e o rádio ligados na bateria da "marinete"...
    O terço rezado toda noite, em que "o cão atentava" e tínhamos ataques de risos pelas costas dos adultos e beatos. Os pulos de tia Iaiá subindo na cadeira com o terço na mão, quando dizíamos ter visto uma barata ou um rato!
    O dormitório feminino no grande salão do grupo. As brincadeiras e os pavores de Paulo...
    E como ríamos, porque acima de tudo estar com eles era uma festa, o bom humor de todos, o "jeito" de tia Iaiá, "seus abusos", que nos fazia rir tanto. E quando estavam todas juntas, meu Deus, era mesmo uma brincadeira, bem melhorada pelas gargalhadas de nossa mãe e as graças e comicidade de tia Chiquinha...
    Que sorte tivemos...

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