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quinta-feira, 27 de maio de 2010

II - Olegário Mariano - O poeta das cigarras





















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Olegário Mariano – O poeta das cigarras.

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A velha mangueira


No pátio da senzala que a corrida
Do tempo mau de assombrações povoa,
Uma velha mangueira, comovida,
Deita no chão maldito a sombra boa.

Tinir de ferros, música dorida,
Vago maracatu no espaço ecoa...
Ela, presa às raízes, toda a vida,
Seu cativeiro, em flores, abençoa...

Rondam na noite espectros infelizes
Que lhe atiram, dos galhos às raízes,
Em blasfêmias de dor, golpes violentos.

E, quando os ventos rugem nos espaços,
Os seus galhos se torcem como braços
De escravos vergastados pelos ventos.


Publicado no livro Canto da Minha Terra (1930).


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O enamorado das rosas


Toda manhã, ao sol, cabelo ao vento,
Ouvindo a água da fonte que murmura,
Rego as minhas roseiras com ternura,
Que água lhes dando, dou-lhes força e alento.


Cada um tem um suave movimento
Quando a chamar minha atenção procura
E mal desabrochada na espessura,
Manda-me um gesto de agradecimento.


Se cultivei amores às mancheias,
Culpa não cabe às minhas mãos piedosas
Que eles passassem para mãos alheias.

Hoje, esquecendo ingratidões mesquinhas,
Alimento a ilusão de que essas rosas,
Ao menos essas rosas, sejam minhas.


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O Príncipe dos Poetas Brasileiros


Olegário Mariano Carneiro da Cunha, filho de José Mariano Carneiro da Cunha, herói pernambucano da Abolição e da República, e de Olegária Carneiro da Cunha, nasceu no Poço da Panela, arrabalde do Recife, estado de Pernambuco, no dia 24 de março de 1889.

Olegário Mariano mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, aos oito anos de idade.

Escrevia poesia antes mesmo dos 13 anos. Em 1904, então com 15 anos, publicou o seu primeiro livro: Visões de moço, prefaciado por Guimarães Passos. Passou então a colaborar nas revistas Fon-Fon, Careta e Para Todos, publicadas no Rio de Janeiro.

Estudou no Colégio Pio-Americano e posteriormente matriculou-se na Faculdade de Direito, mas não chegou a iniciar o curso, pois foi trabalhar no cartório do pai José Mariano Carneiro da Cunha. O local era freqüentado, além de políticos, por Olavo Bilac, Machado de Assis, Guimarães Passos, Emílio Menezes, entre outros.

Casou com Maria Clara Sabóia de Albuquerque, em 1911, indo morar na Europa por quase um ano.

Em 1926, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, ocupando a Cadeira Nº 21, na vaga de Mário de Alencar.

Assim como ocorrera com o pai, que recebeu um cartório do presidente Rodrigues Alves, Olegário Mariano ganhou o seu de Getúlio Vargas, em 1930.

Dedicou-se à carreira política sendo deputado à Assembléia Constituinte que elaborou a Carta de 1934. Trabalhou também como Inspetor Federal de Ensino Secundário e censor de teatro.

Em 1938, foi eleito Príncipe dos Poetas Brasileiros pelos intelectuais brasileiros, em concurso promovido pela revista Fon-Fon, substituindo Alberto de Oliveira, que detinha o título após a morte de Olavo Bilac, que foi o primeiro a receber o título.

Representou o Brasil na Missão Melo Franco, na Bolívia, foi delegado da Academia Brasileira de Letras na Conferência Inter-Americana de Lisboa, para o acordo ortográfico (1945), embaixador do Brasil em Portugal (1953), e membro da Academia das Ciências de Lisboa.

Conhecido como “o poeta das cigarras”, por causa de um dos seus temas prediletos, e considerado o último poeta romântico brasileiro, a sua contribuição à história da música popular brasileira não é muito estudada. Entretanto, em parceria com Joubert de Carvalho, deixou 21 composições, sendo que dezenove chegaram a ser gravadas.

Joubert musicou, em 1927, duas poesias de Olegário: Cai, cai, balão e Tutu Marambá. O poeta aprovou as músicas e, a partir de então, surgiram outras canções, com De papo pro ar (1932)e Dor de recordar(1933). Fez, ainda, dupla com Gastão Lamounier, lançando o tango Reminiscência (1929), a valsa Arrependimento,e a valsa lenta Suave recordação.

Faleceu no dia 28 de novembro de 1958, no Rio de Janeiro, sendo sepultado no Cemitério São João Batista.


Principais Obras:

Ângelus (1911); Sonetos (1912); Evangelho da sombra e do silêncio (1913); Últimas cigarras (1920); Castelos na areia (1922); Cidade maravilhosa (1923); Batachan (1927); Destino (1932); Poesias escolhidas (1932); O amor na poesia brasileira (1933); Canto da minha terra (1933); Vida, caixa de brinquedos (1933); O enamorado da vida (1937); Da cadeira n.21 (1938); Abolição da escravatura e os homens do Norte (1939); Em louvor da língua portuguesa (1940); A vida que já vivi (1945); Quando vem baixando o crepúsculo (1948); Tangará conta histórias (1953).


terça-feira, 25 de maio de 2010

Capela Dourada do Recife - A alma de ouro de Pernambuco - Marcos Cordeiro



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Capela dourada do Recife - A alma de ouro de Pernambuco

Agora lábios meus
dizei, cantai e anunciai:


Sobre a sua terra amada
está a capela radiosa.
Tem na alma entalhada
sua sina venturosa.
As sete dores do filho,
sua História tormentosa.

As sete dores da terra
no seu peito se cravaram.
Nas volutas do seu corpo
sete pregos se travaram.
Na madeira recortada
a alma do filho entalharam.

Casa santa do mistério
tens paredes delirantes.
Bordadas com ouro puro
tens alfaias com brilhantes,
Tu guardas no teu sacrário
as almas dos teus infantes.

De Pernambuco insurgente,
pairam nomes e espiritos.
De Caneca e Miguelinho
talvez sejam esses gritos:
Liberdade! Liberdade!
contra os baianos aflitos.

Ouve aqui ó Pernambuco
o canto do teu passado
que meus lábios anunciam
no ouro dos entalhados
do teu altar e tabernáculo
pela história preservado.

Quando em dias já passados,
João e Pedro quase o mataram,
foi neste teu relicário
que no cedro entalharam,
a tua alma, ó Pernambuco!
e no ouro te encarnaram.

Ressoando nos teus sinos,
se a Francisco celebram
ou mesmo se as sete dores
de Pernambuco relembram:
Alagoas e São Francisco,
orando muitos lamentam.

Aqui no teu tabernáculo
teus arcos são evocados
Conceição e Santo Antônio
e Bom Jesus são chorados.
Templos do Corpo Santo
e Martírios são lembrados.

Eis aqui caros irmãos
este evangelho dourado,
o punhal das sete dores
em Pernambuco cravado,
num crucifixo de ouro
aqui para sempre guardado.

Agora lábios meus
dizei, cantai e anunciai!

Louvores a Pernambuco
dizei, cantai e pronunciai!

Marcos Cordeiro, 20 de maio de 2010

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sexta-feira, 21 de maio de 2010

Ulisses Lins de Albuquerque - Um sertanejo na Academia Pernambucana de Letras



















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Ulisse Lins de Albuquerque


Um sertanejo na corte de Orfeu e na Academia Pernambucana de Letras


Foi à sombra de juazeiros e quixabeiras em flor e no alpendre da casa grande da Fazenda Conceição que conheci o homem Ulisses Lins de Albuquerque nas quatro ou cinco vezes que o acompanhei nas suas temporadas anuais naquele aprazível recanto, recamado de canafístulas, do Moxotó pernambucano.
Residente no Rio de Janeiro desde a década de quarenta, quando Deputado à Assembléia Constituinte de 1945, retornava todo ano para a sua querida gleba, onde me confessou certa vez, com o olhar dirigido para a Serra de Jabitacá, um pouco acima dos seus queridos jatobazeiros situados um pouco além do pátio: “Aqui é que realmente reside o meu coração... No Rio de Janeiro só reside a saudade daqui...”
Foi percorrendo as páginas de Fogo e Cinza, Moxoto Brabo, Um sertanejo e o Sertão, Sol Poente, A Noite Vem, Três Ribeiras, Chico Dandin e O Boi de Ouro e outras estórias, que conheci, realmente, o historiador, memorialista, poeta, “contador de estórias” e romancista Ulisses Lins de Albuquerque, amigo e companheiro do meu pai – poeta Waldemar Cordeiro, nas venturas e artes de Orfeu.
Trilhando as inúmeras veredas e caminhos das suas páginas, conheci a história de grande parte do território pernambucano, principalmente as regiões das ribeiras do Moxotó, do Pajeú, do Ipanema e adjacências, inclusive Monteiro na Paraíba. Nelas encontrei a alma dos seus antigos habitantes, de familiares e coronéis, passando por padres, cangaceiros, cantadores, violeiros, professores, soldados e até os mais humildes amigos, vaqueiros, ex-escravos e serviçais. Também conheci e revi antigos moradores de minha Sertânia. Muitos parentes meus estão ali vivos, juntamente com outros habitantes que deixaram nas linhas escritas por Ulisses Lins, momentos das suas histórias, mesmo que modestas, como o meu tio-bisavô Coronel Paulino Raphael da Cruz – grande chefe político do Pajeú, na época da guerra política entre o Conselheiro Rosa e Silva e o General Dantas Barreto, e os tios-avôs Miguel e Luís Aureliano de Sant´Anna ”intelectuais” que transformavam a barbearia do tio Miguel numa academia onde a política, a música e a poesia constituía o principal motivo das tertúlias nas tardes sonolentas de então.
Ali naquela terra sertaneja, onde o tempo só a muito custo passava, muitos dos seus embates políticos, eleições, revoluções (Revolução de 30), tragédias e dramas foram arrolados, com mestria, nas páginas de Ulisses Lins. Outras personalidades ali dormitam à espera que algum leitor os desperte da sonolência literária: O Mestre-de-Campo Pantaleão de Siqueira Barbosa, o padre Cícero Romão Batista de passagem por Alagoa de Baixo, o padre José Romain Colombet, o professor Moreira, o velho Tomás do Maxixe, Sinhozinho Góis, o capitão Severo, os barões de Cimbres e do Pajeú, o Governador Manoel Borba, os cangaceiros Antônio Piutá, Antônio Silvino e Virgulino Ferreira – Lampião, os ex-escravos Bárbara, Filipa, Paulina, Manoel Preto, Albino, entre outros, o coronel Budá (Antônio Francisco de Albuquerque Cavalcanti), o coronel Manoel Inácio da Silva Azevedo, o Coronel Joaquim Bezerra da Silva, o Coronel Francisco Lopes, o Coronel Francisco Gomes (Chico Bernardo), o Coronel Joaquim Cavalcanti (Quinca Ingá), o valentão Basílio Quidute de Sousa Ferraz ou Basílio Arquiduque Bispo de Lorena, o poeta Alcides Lopes de Siqueira, seu pai o Coronel Manoel (Né) Lins de Albuquerque, sua mãe Teresa de Siqueira Lins de Albuquerque, Santa ou Carlota de Siqueira, bisavôs, seus tios, entre os quais o tio Dino, morto prematuramente, seus sobrinhos Arcôncio e Carmela, sua amada Rosa e a inefável Inah Lins de Albuquerque.
Nascido na Fazenda Pantaleão em 1889, numa terra onde “os invernos de longe em longe beijam”, o tetraneto do famoso Pica-Exu ou Pantaleão de Siqueira Barbosa, ao contrário do tetravô não foi picado por abelhas “papa-terra”, que habitam colméias nos troncos seculares de velhas baraúnas, aroeiras ou pereiros do Moxotó, mas pelo espírito da Abelha da Piéria, ou seja, a poetisa Safo de Lesbos. Ainda muito cedo, com 10 anos de idade e com os estímulos do seu professor João Neiva em Alagoa de Baixo, Ulisses Lins começou a escrever as suas primeiras “tentativas poéticas” – segundo suas próprias palavras.
Apesar dos conselhos do seu pai Coronel Né: “Você deixe essa mania de fazer versos, meu filho! Quase todo poeta morre doido!” Indiferente a tais conselhos, continuou escrevendo e teve seus primeiros poemas publicados na Gazeta de Pesqueira em 1905.
Certa manhã de clima agradabilíssimo de julho ao retornar de um passeio à “ilha” aonde eu fora sentir de perto o aroma inesquecível da florada de antigas quixabeiras tão suas amigas de infância, quando ali caçava rolinhas e salta-caminhos, encontrei-o sentado numa “preguiçosa” contando sílabas nos dedos. Acostumado a meu pai que também fazia essa contagem ao criar seus poemas, passei discretamente por uma porta lateral na direção da cozinha no intuito de não despertá-lo daquele momento de revelação entre musas, faunos, aedos e deuses da sua Arcádia íntima. À hora do almoço preparado pelas mãos de ouro de Belu que, diga-se de passagem, estava digno de deuses, como convém a um grande vate, ao confirmar para Ulisses Lins minha peregrinação às quixabeiras da ilha, ele entregou-me dois sonetos feitos por ele naquela manhã e exclamou: “Menino, você é um poeta! Você puxou a seu pai!”
Naquele momento não percebi muito bem o significado daquela sentença dita com tanta seriedade... Só anos mais tarde é que, realmente, percebi aquele vaticínio.
“- Você descobriu um dos motivos por que sinto, como uma ave de arribação, tanta necessidade de voltar todo ano à minha terra e às minhas reminiscências...”
Estávamos nesse diálogo quando o seu querido filho Waldemar Lins nos chamou para a mesa, para as delícias da gastronomia sertaneja de Belu.
Desse dia em diante passei a ler todos os livros de Ulisses Lins que me chegavam às mãos. Felizmente papai possuía vários deles e com preciosas dedicatórias. O primeiro que li foi Fogo e Cinza, cujo segundo poema, o soneto “Ao Moxotó” era dedicado a meu pai. Após diversas leituras e diversas interpretações dos capítulos: Sertão Mártir, Hino à Gleba, Alma da Terra, Estrada de Espinhos, Livro de Inah, passei para a grande viagem na “trilogia” dos “Cem anos de Solidão” do Moxotó, ou seja: Um sertanejo e o sertâo, Moxotó brabo e Três ribeiras. Para mim, fora mais do que um “curso de história da terra e do homem sertanejo das ribeiras pernambucanas do Moxotó, Pajeú e Ipanema”, lugares onde o poeta sertaniense traçou a geografia da sua literatura.
Nos poemas de Fogo e Cinza, habitam, cantam, gemem, murmuram e suspiram, além do coração do poeta, galos-de-campina, juritis, rolinhas, bem-te-vis, seriemas e todo um coro de vozes em louvor da terra e da alma pernambucana.
Senhor de régua, compasso e aguda sensibilidade no seu ofício de escritor nascido e criado ouvindo cantadores e violeiros no alpendre do Pantaleão e nas feiras livres de Alagoa de Baixo, Ulisses Lins cultivou diversas formas fixas da arte da poesia. De sua pena saíram sonetos (veja-se O livro de Inah), quadras, quadrões, sextilhas, tercetos, decassílabos e alexandrinos, entre outras formas consagradas pela maioria dos poetas. De formação acadêmica simbolista e parnasiana, como a maioria dos poetas da sua época, logo se filiou a uma estética própria, cuja prosódia e sintaxe se encontravam no falar e pensar do “homem do nordeste”, porém livre de qualquer traço caricatural tão comum à maioria dos poetas ditos “matutos”. Apesar de sua origem sertaneja, sua poesia é erudita e mesmo refletindo um profundo traço telúrico e familiar, alcança a reflexão e emoção da poética universal.
Sobre a obra de Ulisses Lins muitos escritores e críticos deram os depoimentos que enriquecem sobremaneira a sua fortuna crítica. Entre eles podemos citar: Luís Jardim, Adonias Filho, Eneida, Samuel Duarte, José Condé, Geraldo de Freitas, Franklin de Sales, J.C.Oliveira Torres, Alcântara Silveira, Manuel Diegues Junior, Aloysio da Carvalho Filho, Mauro Mota, Sérgio Millet, Múcio Leão, Joaquim Pimenta, Edna Savaget, Francisco de Assis Barbosa, Odilon Nestor, Paulo Ronai, Mário Melo, Menotti Del Picchia, Esdras Farias, Antônio Carlos Vilaça e José Américo de Almeida, entre outros.
Decorridos tantos anos após a publicação do seu último livro em vida – O Boi de Ouro e outras Estórias, em 1975 pela Editora Cátedra do Rio de Janeiro, muitos estudantes, historiadores, mestrandos e doutorandos se debruçam sobre a sua obra em busca de roteiros e luzes para elaboração de suas teses de mestrados e doutorados.
Eleito em 1938 para a Academia Pernambucana de Letras, o sertaniense Ulisses Lins de Albuquerque ocupou a Cadeira nº 1, cujo patrono é Bento Teixeira Pinto. Antes de Ulisses Lins a Cadeira nº 1 foi ocupada por Barbosa Viana em 1901 e Zeferino Galvão em 1920. O atual ocupante da cadeira nº 1 é o escritor olindense Olímpio Bonald Neto.


Marcos Cordeiro
Olinda, maio de 2010.


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quinta-feira, 13 de maio de 2010

Pelos caminhos da devoção - Padre Cícero





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Pelos caminhos da devoção - Padre Cícero

Tomei conhecimento da existência do Padre Cícero quando era ainda bem menino em Sertânia.Tanto na minha casa quanto nas casas de familiares e de conhecidos a existência do mito Padre Cícero era tão viva quanto na devoção popular de então. Existência viva sim, pois a sua presença permanece, até hoje, constante não só na devoção dos mais aquinhoados pela sorte quanto na dos menos favorecidos.
Na cidade ou na zona rural do vasto Município de Sertânia e adjacências essa cultuada presença é permanente, tanto quanto outros ícones da Igreja Católica como São João, São Pedro, São Jorge ou São José, entre outros. Sua imagem está presente tanto nos santuários domésticos, nos quadros das paredes, nos porta retratos, quanto nas medalhas penduradas nos pescoços dos fiéis ou até em muitos túmulos dos cemitérios sertanejos. Lembro-me até hoje que muitos devotos do Padrim Ciço foram sepultados com santinhos, medalhas ou imagens do “santo” nordestino. Curioso, eu procurava entender o porquê daquela devoção tão forte e generalizada. A passagem constante de pelo menos três vezes ao ano de dezenas de “paus de araras”, enfeitados de flores de papel e de bandeirinhas, carregados de “romeiros” cantando benditos e outros cânticos sacros. Eram muitos caminhões. Pelas placas ficávamos sabendo de onde eles haviam partido. A maioria era da Paraíba, de Alagoas e do nosso próprio Estado. Também nas feiras semanais os cantadores de viola e de folhetos de cordel eram grandes difusores do pensamento, da obra e do mito Padre Cícero. Amado pela maioria das pessoas, a sua presença fazia-se sentir em quase tudo, principalmente no falar das pessoas simples daquele tempo.
Alguns anos depois, tomei conhecimento, só que pessoalmente, da existência de outro “santo” popularíssimo – Frei Damião, por ocasião das suas Missões pelos sertões afora. Dava gosto participar das procissões conduzindo velas acesas e entoando cânticos pelas ruas da cidade. Apesar das freqüentes passagens de Frei Damião por Sertânia, a fé e a devoção ao padre Cícero permanecia intacta, não obstante, ele passar a dividir com o frade italiano a função de intermediário entre os fiéis suplicantes e Jesus.
Com o transcorrer do tempo e com o advento da TV e da intensa urbanização do país, verifiquei que a introdução de novas técnicas pedagógicas e educacionais na sociedade determinou diversas mudanças no pensamento e nos costumes das novas gerações. O consumo exagerado, o culto da aparência física e a revolução sexual foram fundamentais para ocasionar o esquecimento e abandono, quase total, do item religião que passou a ter um papel secundário na sociedade materialista, narcisista e consumista atual.
Apesar de todas essas mudanças e do aparecimento das igrejas erroneamente taxadas de evangélicas, uma vez que a igreja católica também prega os evangelhos sagrados do Novo Testamento, o que se verifica é que a devoção ao Padre Cícero e as permanentes romarias ao complexo religioso/cultural de Juazeiro continuam as mesmas, se não mais intensas com as facilidades de transportes e novas estradas.
Visitar Juazeiro é não só visitar um imenso santuário, é também visitar um dos arquivos mais ricos da História do Ceará e do Brasil. É trilhar os mesmos passos do Padre Cícero Romão Batista, da beata Maria de Araújo - protagonista das maravilhas que originaram em parte o fascínio pela tradição religiosa de Juazeiro. É transitar por ruas e espaços que serviram de cenário à passagem de jagunços, bandoleiros e aventureiros que formaram as coortes do Dr. Augusto Santa Cruz, de Floro Bartolomeu, de Lampião, de dezenas de Coronéis e centenas de cabras e cangaceiros. É participar “in memorian” dos comícios pela emancipação política de Juazeiro, das cenas épicas da construção da grande trincheira que circundava toda a cidade e que foi batizada pelo Padim Ciço de “Círculo da Mãe de Deus”, é participar da reação e “Sedição” ao desastroso cerco da policia do Ceará, sob o comando do capitão Ladislau Lourenço e do coronel Alípio de Lima Barros a Juazeiro e que abriu caminho para a deposição do Governador “Salvacionista” Franco Rabelo. É, enfim, recitar e cantar com os cabras, jagunços, cangaceiros e demais combatentes do “exército sertanejo” de Floro Bartolomeu e do Padre Cícero a reza forte do Sagrado Coração:

“Chagas abertas, coração ferido, sangue de Jesus se ponha entre nós e o perigo”

Portanto, é fascinante testemunhar e participar de uma dessas peregrinações àquela Jerusalém Nordestina. É alentador participar da procissão de Nossa Senhora das Candeias, da saudação de despedida dos chapéus de palha. É emocionante! Naqueles momentos de intensa unção e contato com o espírito de Cristo e de toda a corte celestial, é muito difícil conter as lágrimas.
Ante todos esses eventos que constatam que a devoção ao Padim Cíço continua incólume e que o carisma do Padre Cícero está bem mais vivo que o carisma de um bispo qualquer “fulano de tal” e outros “bispos” de centenas de igrejas internacionais, mundiais e universais sedentas de dízimos e mais dízimos com o loteamento e a venda de um lugarzinho na eternidade.
Líder religioso, político, herói, santo, visionário ou impostor para seus defensores e inimigos, Padre Cícero encarna um dos mais fascinantes heróis de uma das sagas da magnífica obra real e surreal que é a História do Nordeste Brasileiro.

Marcos Cordeiro
Olinda, maio de 2010.



domingo, 9 de maio de 2010

Fazenda Jatobá - Uma tarde com Santa e Napoleão Santa Cruz



















Aniversário na Fazenda Jatobá
Marcos Cordeiro

Eis-me aqui, eis-me além.
Bem além do tempo avaro.
Precisamente no centro
da sala de visitas
da veneranda casa grande
da fazenda Jatobá.

















Aos poucos, uma a uma,
abro as janelas da sala
e do pensamento
para o pátio, para o tempo,
para o sonho
e para muito mais além.
Bem mais além do engenho
nos seus dias de moagens
quando era de fogo vivo.

Aberta a porteira do tempo
dou asas a historia e ao pensamento.
Ante a lembrança solene
dos tios da minha mãe:
Santa e Napoleão.
Contrito e respeitoso,
peço-lhes a benção.
Ereto, beijo-lhes as mãos,
e invoco-lhes a ressurreição.

Pelas janelas e frestas do telhado sibilante
sorrateiras vozes chegam junto a mim.
Atento, sinto a carícia do vento na minha pele.
Mais atento, ouço outras vozes
vindas talvez do jardim ou da cozinha.
Em festa, conversam almas
nessa tarde luminosa na Fazenda Jatobá.

Entre elas também a voz do vento.
Do vento norte
prosando com outros ventos.
Os ventos do Cariri,
no sertão Paraíbano
que às tardes, todas as tardes,
costumam rodopiar,
tocando chocalhos e flautas
e brincando de barra bandeira
após entrarem de porteira adentro,
sobre casas, baraúnas e lembranças.

Reencarnados de memórias ancestrais
ei-los de volta renascidos
de arquivos orais e fotográficos.
Junto aos ventos e as lembranças,
amigos emigrados do mistério
surgem e se apeiam junto ao pensamento,
aos marquesões da sala, nos quadros
e nos porta-retratos.

Após galgarem os degraus do tempo
Eles nos trazem o ontem para um hoje
cada vez mais hoje e cada vez mais vivo
de um dia de sol e prazerosa brisa
junto a dona Santa e ao Major Napoleão.
Com eles também apeiam seus cavalos,
ajaezados de selins, selas e silhões,
muitos parentes, amigos e compadres:


















Coronel Sizenando Raphael do Feijão,
Coronel Sátiro Feitosa do Ribeiro Fundo,
Coronel Manoel Joaquim Raphael do Engenho Velho,
Coronel Chico Cândido do Limão,
Capitão Cirurgião Amaro Lafayette da Barriguda,
Coronel Joaquim Lafayette do Pau d`Arco,
Coronel José Gomes dos Santos da Caiçara,
Coronel Francisco de Torres da Carnaíba,
Nestor Bezerra da Monconha,
Major Inocêncio Almeida de São José dos Cordeiros,
Marcolino Mayer de Alagoa do Monteiro,
João Ferreira Gomes da Cacimba Nova
Coronel Paulino Raphael da Varzinha,
e os sobrinhos Tércio, Manoel Sobrinho e Andrelino.

Abençoando todos, as reverendas lembranças
de Padre Arthur Cavalcanti, Cônego Rodas
e Dom Joaquim Antônio de Almeida.

Na porta entreaberta do mistério
O Major Napoleão Santa Cruz os recebe
com a cortesia ancestral da sua casa.
Junto a ele Sinhá Dona Santa
reticente e atenta a todos cumprimenta:

Compadre Sizenando, como vai Comadre Maria?
Quando será a próxima missa no Feijão?
Compadre Sátiro, como passa Comadre Joaquina?
Compadre Manoel, como está Comadre Antônia?
Como vai Mariquinha no Colégio das Damas no Recife?
Compadre Chico Cândido, como estão Comadre Inês e Djanira?
Compadre Joaquim Lafayette, como está Comadre Sebastiana?
Como estão Alda e Adail?
Compadre Amaro Lafayette, como vai Comadre Titia?
Já tomei o Elixir de Antipyrina e fiz as lavagens com ácido phênico.
Meu querido pai, como estão todos lá em casa na Caiçara?
Fale-me de Felismina, de Nana e José Augusto...
Compadre Chico Torres, como está minha irmã Philó?
Compadre Nestor, como deixou Comadre Ana?
Compadre Inocêncio, como está Comadre Olindina e os meninos?
Compadre Marcolino, como deixou Comadre Lídia?
Aquele seu menino Luizinho ainda gosta de brincar de ser juiz?
Meu compadre e irmão Janjão, como tem estado Comadre Áurea?
Compadre Paulino, como está Comadre Dona e Theonas?
Compadre Tércio como se encontra Theonas Nunes e as crianças?
Compadre Manoel Sobrinho, como está minha Leonila e José?
Compadre Andrelino, me fale de Theonila...

Estão todos bem, estão todos com saúde.
Nos retratos da parede ou no álbum,
na varanda ou no curral,
na cozinha ou no engenho.
Estão todos vivos,
estão todos aqui vivendo dentro de nós.

No jardim ao lado as crianças ressurgem.
Em ciranda dão-se as mãos com os primos:
Rodolfo, Cornélio e Sebas.
Alice, Tonha e Hermínia.
Maroca, Nina e Dorinha.
Toinha, Icília, Carminha e Lousinha.
Iaiazinha, Iraci e Chiquinha.
Anunciada, Carmelita e Toti.
Adalgisa, Francisquinha e Lucila.
Nita, Carminha e Lourdes.

Maura, Maria do Carmo e Assunção.
João, José e Darcílio.
Isauro, Carminha e Sebastião.
Jaime, Ferreira e Jonas.
Elísio e Ferreirinha.

- Dona Santa!
- Tia Santa!
- Mãe Santa!
- Comadre Santa!
- Madrinha Santa!
- Sinhá Santa!

São vozes que vêm de longe.
Talvez da cozinha, do curral, do pomar ou do céu:

- Major Napoleão, a vaca Melindrosa
deu hoje quinze litros de leite! Dona Santa vai gostar...

- Padrim Napoleão, o garrote raçado, fio de Mimoso,
furou a cerca e está danado na palma...

- Vão dizer a Santa... ela é que sabe o que fazer...

- Madrinha Santa, quantas galinhas é para matar?

- Mãe Santa vai mandar queijo para tio Vitor, Zulmira e
Nenem?

- E a qualhada escorrida de tio Olímpio e tia Jove?

- E as garrafas de mel de Doutor Deocleciano Pereira Lima?

- O capão do Cônego Rodas também vai hoje?

- Vão sim! Vão tudo hoje!
Aproveitem o carro de Compadre Andrelino...

- Major Napoleão, quanto dá nesse cavalo pedrês?

- Não dou nada não: Cavalo pedrês ou sarará, nunca prestou nem prestará...

- Padrim, esse daqui é da raça dos cavalos do Coronel Tércio do Morcego...


















- Major, esse daqui tem sangue árabe
dos cavalos do Coronel Nozinho da Coruja
e do Major Possidônio Gomes do Riacho do Mel...

- Quero! Quero todos menos o pedrês!
Mas, não vão dizer para Santa
quanto paguei...

- Bom dia Dona Santinha, como vai a senhora?
- Como bem vê, aqui na cozinha, feito uma negra escrava,
cozinhando para esses ladrões que vêm roubar Napoleâo...

- Moleque, por quanto Napoleão comprou aquele cavalo
ao vendedor de Sumé?
- Num sei não, sinhá Santa...
- E aquele garrote zebu?
- Num sei não, madrinha... Eu juro...
- Se você estiver mentindo moleque, prepare o lombo...
- Tô não madrinha Santa... Tô não...

- Zé Marcolino chegue cá!
- Pois não madrinha Santa!
- Vá lá para a sala da frente cantar a toada do boi Enganoso para Napoleão!
Vá animar um pouco o seu coração...
- Vou sim, Madrinha Santa! Vou agorinha!

- Ô Mãe Santa! Quem é essa tal de Posteridade que Seu Crispiniano Neves
toda vez que vai tirar um retrato, como fez com o Prefeito seu Luiz Leite,
diz: Para a Posteridade! Para a Posteridade!
- Ô menino para gostar de fazer perguntas! Quando você crescer você saberá...

- O queijo está pronto!
- O cuscuz está servido!
- A coalhada está posta!
- O café está passado!
- O bolo está assado!
- O leite está fervido!
- Os ovos estão fritos!

Cheiro de café quente, cheiro de queijo quente.
Cheiro de xerém quente, cheiro de leite quente.
Coalhada nova com raspa de raspadura ou com mel
de abelha ou de engenho, de mandassaia ou da tacha.
Também tem branco alfenim com a batida dourada
com queijo branco de coalho ou requeijão de manteiga.

Doce cremoso de leite!
Doce azulado de batata!
Doce de mamão verde!
Doce de coco maduro!
Bolo de caco, de trigo,
Bolo de goma e de massa.

Caro major Napoleão, aqui viemos trazer
para vós alegria e para Dona Santa prazer.
Nesse vosso aniversário, umas nossas lembranças...
Da nossa parte vos damos calorosas saudações
de nossos filhos e parentes os fraternos cumprimentos:


- Do Feijão venho e vos trago
um garrote que chamo de Boi de Ouro.

- Do Ribeiro Fundo venho e vos trago
o carneiro Sertãzinho.

- Do Engenho Velho venho e vos trago
dez capões da cor do sol.

- Do Limão venho e vos trago
cinco perus e dez patos verdadeiros.

- Da Alagoa de Baixo venho e vos trago
dez latas de doce “Samaritana”
e vinte garrafas do licor “Pipermina”.

- Do Pau d´Arco venho e vos trago
três cabritos bem capados.

- Da Caiçara venho e vos trago
queijos feitos por Honorata .

- Da Carnaíba venho e vos trago
nhambus-pés e outras caças.

- Da Cacimba Nova venho e vos trago
cinco marrãs "bergamascas".

- Da Varzinha venho e vos trago
um potro raciado com o vento.

- Do Morcego venho e vos trago
dez caçuais de bananas e mangas.

- Do Serrote da Vaca Morta venho e vos trago
oito marrãs raciadas com moxotó.

- Da Mata Verde venho e vos trago
jerimuns e melancias.

- Não precisava essas jóias, não precisava essas oferendas.
De vosmecês as presenças são as melhores prendas.

Por essa data festiva,
Por esse dia meritório.
A todos vos ofereço
nossa casa, nossa glória.

Após nossa comunhão
dada por Dom Joaquim,
aos pés do Nosso Senhor,
aos pés de Nossa Senhora.
Damos graças e louvor
por contarmos a nossa história.

Venham todos, venham todos,
venham todos com prazer.
Vamos sentar à mesa
e o sertão saborear.
Das mãos ditosas de Santa
para vossas senhorias,
os mais gostosos quitutes,
as melhores iguarias:

Buchada e sarapatel,
peru assado e capão.
Coxão de porco com mel,
mão de vaca com pirão.
Costeletas de cabritos,
tripa assada com limão.

Carne de sol na manteiga,
arrumadinho de feijão.
Carneiro gordo e rabada,
pato assado com melão.
Doce de leite e batata,
de banana e de mamão.

Agora para rematar,
que tal um bom café?
Chegado lá das alturas
da serra de Jabitacá.
Torrado com raspadura
e pilado com amor
num dia bem venturoso
de Santa e Napoleão
na Fazenda Jatobá.