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quinta-feira, 13 de maio de 2010

Pelos caminhos da devoção - Padre Cícero





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Pelos caminhos da devoção - Padre Cícero

Tomei conhecimento da existência do Padre Cícero quando era ainda bem menino em Sertânia.Tanto na minha casa quanto nas casas de familiares e de conhecidos a existência do mito Padre Cícero era tão viva quanto na devoção popular de então. Existência viva sim, pois a sua presença permanece, até hoje, constante não só na devoção dos mais aquinhoados pela sorte quanto na dos menos favorecidos.
Na cidade ou na zona rural do vasto Município de Sertânia e adjacências essa cultuada presença é permanente, tanto quanto outros ícones da Igreja Católica como São João, São Pedro, São Jorge ou São José, entre outros. Sua imagem está presente tanto nos santuários domésticos, nos quadros das paredes, nos porta retratos, quanto nas medalhas penduradas nos pescoços dos fiéis ou até em muitos túmulos dos cemitérios sertanejos. Lembro-me até hoje que muitos devotos do Padrim Ciço foram sepultados com santinhos, medalhas ou imagens do “santo” nordestino. Curioso, eu procurava entender o porquê daquela devoção tão forte e generalizada. A passagem constante de pelo menos três vezes ao ano de dezenas de “paus de araras”, enfeitados de flores de papel e de bandeirinhas, carregados de “romeiros” cantando benditos e outros cânticos sacros. Eram muitos caminhões. Pelas placas ficávamos sabendo de onde eles haviam partido. A maioria era da Paraíba, de Alagoas e do nosso próprio Estado. Também nas feiras semanais os cantadores de viola e de folhetos de cordel eram grandes difusores do pensamento, da obra e do mito Padre Cícero. Amado pela maioria das pessoas, a sua presença fazia-se sentir em quase tudo, principalmente no falar das pessoas simples daquele tempo.
Alguns anos depois, tomei conhecimento, só que pessoalmente, da existência de outro “santo” popularíssimo – Frei Damião, por ocasião das suas Missões pelos sertões afora. Dava gosto participar das procissões conduzindo velas acesas e entoando cânticos pelas ruas da cidade. Apesar das freqüentes passagens de Frei Damião por Sertânia, a fé e a devoção ao padre Cícero permanecia intacta, não obstante, ele passar a dividir com o frade italiano a função de intermediário entre os fiéis suplicantes e Jesus.
Com o transcorrer do tempo e com o advento da TV e da intensa urbanização do país, verifiquei que a introdução de novas técnicas pedagógicas e educacionais na sociedade determinou diversas mudanças no pensamento e nos costumes das novas gerações. O consumo exagerado, o culto da aparência física e a revolução sexual foram fundamentais para ocasionar o esquecimento e abandono, quase total, do item religião que passou a ter um papel secundário na sociedade materialista, narcisista e consumista atual.
Apesar de todas essas mudanças e do aparecimento das igrejas erroneamente taxadas de evangélicas, uma vez que a igreja católica também prega os evangelhos sagrados do Novo Testamento, o que se verifica é que a devoção ao Padre Cícero e as permanentes romarias ao complexo religioso/cultural de Juazeiro continuam as mesmas, se não mais intensas com as facilidades de transportes e novas estradas.
Visitar Juazeiro é não só visitar um imenso santuário, é também visitar um dos arquivos mais ricos da História do Ceará e do Brasil. É trilhar os mesmos passos do Padre Cícero Romão Batista, da beata Maria de Araújo - protagonista das maravilhas que originaram em parte o fascínio pela tradição religiosa de Juazeiro. É transitar por ruas e espaços que serviram de cenário à passagem de jagunços, bandoleiros e aventureiros que formaram as coortes do Dr. Augusto Santa Cruz, de Floro Bartolomeu, de Lampião, de dezenas de Coronéis e centenas de cabras e cangaceiros. É participar “in memorian” dos comícios pela emancipação política de Juazeiro, das cenas épicas da construção da grande trincheira que circundava toda a cidade e que foi batizada pelo Padim Ciço de “Círculo da Mãe de Deus”, é participar da reação e “Sedição” ao desastroso cerco da policia do Ceará, sob o comando do capitão Ladislau Lourenço e do coronel Alípio de Lima Barros a Juazeiro e que abriu caminho para a deposição do Governador “Salvacionista” Franco Rabelo. É, enfim, recitar e cantar com os cabras, jagunços, cangaceiros e demais combatentes do “exército sertanejo” de Floro Bartolomeu e do Padre Cícero a reza forte do Sagrado Coração:

“Chagas abertas, coração ferido, sangue de Jesus se ponha entre nós e o perigo”

Portanto, é fascinante testemunhar e participar de uma dessas peregrinações àquela Jerusalém Nordestina. É alentador participar da procissão de Nossa Senhora das Candeias, da saudação de despedida dos chapéus de palha. É emocionante! Naqueles momentos de intensa unção e contato com o espírito de Cristo e de toda a corte celestial, é muito difícil conter as lágrimas.
Ante todos esses eventos que constatam que a devoção ao Padim Cíço continua incólume e que o carisma do Padre Cícero está bem mais vivo que o carisma de um bispo qualquer “fulano de tal” e outros “bispos” de centenas de igrejas internacionais, mundiais e universais sedentas de dízimos e mais dízimos com o loteamento e a venda de um lugarzinho na eternidade.
Líder religioso, político, herói, santo, visionário ou impostor para seus defensores e inimigos, Padre Cícero encarna um dos mais fascinantes heróis de uma das sagas da magnífica obra real e surreal que é a História do Nordeste Brasileiro.

Marcos Cordeiro
Olinda, maio de 2010.



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