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sábado, 9 de maio de 2009

Recife - No tempo das alvarengas


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No tempo das Alvarengas ...................................................................



Marcos Cordeiro

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Ainda me lembro. Era o mês de julho do ano de 1954, eu tinha 10 anos de idade. Eu e as minhas irmãs havíamos chegado de Sertânia com minha mãe. Viemos de trem que era o transporte de 90% da população. O trem da “serra” como era chamado para diferenciar do trem de Alagoas e do trem de João Pessoa, com aqueles vagões de madeira envernizada, com poltronas recobertas de couro, lustres de cristal e diversos outros detalhes de bronze dourado igual aos trens dos filmes de faroeste. Na minha visão só faltavam os cowboys, os bandidos e os índios, montados nos seus cavalos, perseguindo o trem. Era uma encantadora sucessão de surpresas em cada estação que o trem parava para descida e subida de passageiros como também para colocar água, lenha ou óleo nas locomotivas. Era a época das Marias Fumaças e a duração da viagem era de 9 horas de Sertânia ao Recife. A viagem era cansativa e demorada, mesmo saltando em Tegipió onde ficaríamos hospedados na casa do meu avô Manoel Sobrinho que ali residia, depois da sua enfermidade que o obrigou a deixar sua loja, suas propriedades rurais e outros negócios em Jabitacá e Sertânia. Foi então, nessa viagem que, deslumbrado, eu conheci o mar. Que revelação! Eu nunca tinha presenciado tanta água. Para nós sertanejos acostumados com pouca água e só a vendo em grande quantidade, uma vez ou outra, quando havia cheia no rio Moxotó em um ano e oito não. E mesmo assim, não havia termos de comparação. Eu só fazia exclamar comigo mesmo - Que barrajona! Que barrajona! Era demais pra minha cabeça, sem entender direito porque o mar se encontrava com o céu lá longe no horizonte, onde a vista alcançava... Logo no outro dia após a nossa chegada acompanhei mamãe às compras na Rua do Livramento e demais ruas no entorno do Mercado de São José onde paramos para saborear um delicioso caldo de cana com bolo de bacia ou pão doce. Fomos num trem suburbano e durante o percurso ao longo da via férrea, logo depois da Estação de Areias, fui observando os mangues e viveiros de curimãs e camarões situados às suas margens. Foi também quando observei pela primeira vez os famosos mocambos cobertos de palha descritos por Gilberto Freyre e outros estudiosos, entre coqueirais e manguezais povoados de guaiamus, caranguejos uçais e aratus. Cada lugar que eu conhecia trazia sempre uma novidade para mim como no dia em que ao término das compras, em vez de voltarmos de trem para Tejipió, mamãe resolveu voltar de ônibus e fomos apanhá-lo no cais de Santa Rita. Aí, sim! Eu vi pela primeira vez as alvarengas com seus nomes bonitos como Maria Digna, Flor de Maio, Guararapes, Manacá, etc. Enormes, com suas velas enroladas nos mastros e dezenas de estivadores descarregando sacas de açúcar, farinha, feijão, caixotes, cachos de bananas, abacaxis, jacas, cabras, carneiros, galinhas e tudo o mais que os municípios da zona da mata produziam. Eram dezenas e estavam ancoradas no espaço compreendido entre a Ponte Maurício de Nassau, o cais da Alfândega, o cais de Santa Rita, a partir do Grande Hotel e a ponte giratória, que permitia a entrada ou saída daqueles “navios” enormes. De outras vezes que por ali passei, eu pude observar aquela movimentação constante dos marinheiros carregando ou descarregando aquelas embarcações que para mim eram as maiores do mundo. Aquele balouçar constante, ocasionado pela brisa do Recife, dava asas a minha imaginação sobre o roteiro daqueles barcos e da vida no interior dos mesmos. Por quantas aventuras não passavam aqueles embarcadiços em seu dia-a-dia de cada embarcação. Algumas vezes tive a oportunidade de observar o roteiro de um daqueles barcos. Ao levantar âncora do cais, o mesmo passava pela ponte giratória e já no cais do porto do Recife, dobrava à esquerda e nunca à direita que ia para a bacia do Pina. Seguia em frente até a barra onde o rio Capibaribe encontra o oceano e ali, já fora da barra, onde antigamente se chamava de Lamarão, partia para o norte na direção do Canal de Santa Cruz, Itamaracá, Barra de Catuama e Goiana ou para o sul na direção do Cabo, Suape, Porto de Galinhas e São José da Coroa Grande. Das muitas coisas que conheci no Recife, naqueles tempos, muitas me fizeram sonhar, porém, foi nas alvarengas do cais de Santa Rita onde mais eu naveguei por mares povoados de peixes e animais fantásticos e por territórios onde só a inocência e o sonho nos leva, a felicidade. Com o “progresso” da multiplicação das rodovias, priorizando o transporte rodoviário, que encareceu tudo e a urbanização desenfreada da cidade do Recife, que inclusive desmontou a ponte giratória, a navegação costeira e de cabotagem deixou de ter importância para o comércio e para a população da cidade que teve de agüentar de goela abaixo o progresso dos novos tempos. Aos poucos as alvarengas foram navegando cada vez para mais longe e para sempre da paisagem do Recife no início dos anos 60.

Um comentário:

  1. Companheiro, sem ser do PT, belissimo registro de tempos ídos ilustrado por vistosos postais.
    Quando viajo, costumo registrar, em letras e imagens, as paisagens e os momentos.

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