40 Anos de Pintura – Uma dissertação de
vida e superação.
Desde os já longínquos dias da minha infância
em Sertânia até o presente, tentei e talvez tenha conseguido traçar, isto é,
desenhar, pintar e, posteriormente, escrever parte do meu testemunho de vida e superação
da minha condição de migrante do sertão pernambucano no Recife.
Egresso de uma região eminentemente
agrícola, em 1958, desembarquei pela primeira vez do trem da Great Western na
Estação Central da reservada e elitista capital da Civilização do Açúcar,
naquele tempo ainda a 3ª Capital do Brasil, para estudar no Colégio Salesiano
onde cursei a 2ª e a 3ª séries do curso Ginasial.
Em 1960 retornei para Sertânia onde
terminei o Curso Ginasial. Munido dos conhecimentos adquiridos no Ginásio Olavo
Bilac de Sertânia e no Colégio Salesiano, voltei para o Recife trazendo na
bagagem a vontade de continuar aprendendo tudo o que fosse possível e estivesse
a meu alcance.
Munido de uma curiosidade inata e da carga
genética herdada do meu pai, para as artes. Além de poeta notável, foi
dramaturgo, ator, cantor, compositor e músico. Tudo isso influenciava a minha
curiosidade e coragem para ir, se possível, além. Isto é, tentando a aventura
de penetrar e conquistar o território fascinante das Artes Plásticas.
Esse desejo originou-se, creio eu, ainda
na infância quando auxiliava a minha mãe no mister de traçar riscos nos papéis
de seda para os seus bordados admiráveis. Com minha mãe eu iniciava uma
parceria, que perdura até hoje, com lápis, papéis e carbonos para tornar mais
bela e prazerosa a aventura da vida de muitas daquelas pessoas que encomendavam
belos bordados para seus enxovais, ou vestidos das festas do América ou do dia
8 de dezembro, Natal e Ano Novo.
Tudo isso na pequena e conservadora
cidade que até a véspera do meu nascimento se chamava Alagoa de Baixo. Minutos
após a adoção do novo nome de Sertânia, cheguei ao vale do Rio Moxotó no dia 1º
de janeiro de 1944, nascido do poeta Waldemar de Sousa Cordeiro e de Iraci
Gomes Raphael de Sousa Cordeiro.
Nesse dia 1º de janeiro de 1944, eu e
João Bezerra Cordeiro, meu futuro amigo de adolescência, fomos as duas
primeiras crianças nascidas na cidade batizada de
Sertânia, pelo admirável poeta e memorialista Ulisses Lins de Albuquerque.
Após os estudos fundamentais em Sertânia
e secundário e superior no Recife onde residia em pensões da Boa Vista e na
Casa do Estudante de Pernambuco no Derby, fixei-me definitivamente em Olinda.
Ainda na Faculdade de Odontologia como pintor amador, curioso e enxerido,
participei pela primeira vez de uma mostra de pintura, no Diretório Acadêmico. Posteriormente
participei de várias outras exposições, sempre como pintor autodidata.
Pernambuco tal e qual a maioria dos outros
Estados brasileiros, cultiva, até hoje, traços fortes de uma sociedade
conservadora e elitista, principalmente nas áreas da política e da cultura. Esse
elitismo se confirma como: Elite artística, Elite política, Elite econômica,
Elite jurídica, Elite acadêmica, Elite científica, Elite musical, Elite
teatral, Elite social, Elite futebolística, Elite médica, Elite odontológica,
Elite comercial e outras elites...
Ser pintor ou escritor, hoje é bastante
“chic”, mas, naquela época, eram profissões esnobadas pelas elites, a não ser
que o candidato tivesse um sobrenome tradicional, engenho, fazenda, usina ou
uma boa conta bancária, quando então as mesmas profissões eram endeusadas, e os
possíveis gênios artísticos iam para a Europa realizar seus estudos e conhecer
o mundo da mais alta cultura.
Com o modismo da filosofia marxista ou
esquerdista adotada por revoltados, contestadores, estudantes e intelectuais, uma
nova elite estabeleceu-se na sociedade pernambucana. A elite de esquerda. Quem não fosse da elite econômica, oriunda da
cultura açucareira, teria que ser da elite intelectual de esquerda. Ambas muito
fechadas e discriminatórias. Para a maioria dos “cultos”, quem não fosse de
esquerda era “burro”. E como tudo que envolve poder, muitos abraçaram essa
causa não por ideologia, mas, porque era vantajoso sob vários aspectos...
Para um matuto desconfiado como eu, que
não me filiei ativamente a nenhum grupo ou “clã”, não foi muito fácil conseguir
penetrar nesse meio, altamente fechado, das Artes de Pernambuco. Essa situação,
por incrível que pareça, parece persistir, em parte, até hoje. Durante esses
quarenta anos participei de muitas exposições e salões oficiais em Pernambuco, em
outros Estados brasileiros e no
Exterior.
Apesar das inúmeras dificuldades consegui
alguns prêmios, para mim importantes, nessas décadas e nesse contexto. Com o
modesto reconhecimento advindo dos prêmios conquistados, apesar do desdém de
alguns, dei continuidade a minha paixão e fidelidade às artes plásticas até o
presente.
No acervo exposto no MAC de Pernambuco
em Olinda, pode-se observar o meu caminhar por diversos estilos e fases.
Ao observar os trabalhos em exposição
nessa modesta mostra comemorativa dos meus 40 anos de pintura e literatura,
posso dizer para a memória dos meus pais, meus filhos, netos, familiares e amigos,
que foi positiva, que VALEU a minha incursão nessas áreas do conhecimento
humano.