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Recife, cidade história.
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O Recife é uma cidade livro. Livro Ilustrado de História. É uma cidade onde páginas da História de Pernambuco e do Brasil foram e são escritas permanentemente. Cada rua, praça, largo, terreiro, beco, igreja, convento, museu, academia, cais, praia, cemitério, quartel, fortaleza, masmorra, hospital, prisão, escola é uma página que se escreve. Ontem por eles, hoje por nós.
Onde quer que se vá, ali aconteceu algum fato importante da nossa história. Locações vivas de um filme ainda em processo de filmagem, o perímetro urbano da cidade e os seus arredores é uma verdadeira cidade cenográfica à espera de um Diretor.
Se andarmos pela Rua do Imperador, Largo do Terço, Largo das Cinco Pontas e Pátio do Carmo a gente pode estar caminhando sobre os passos do poeta e revolucionário republicano Frei Joaquim do Amor Divino Caneca a caminho do Último Ato do seu martírio pelas 1ª e 2ª Repúblicas Brasileiras de 1817 e 1824, aqui proclamadas. Por esses locais se respira o mesmo ar que um dia ele, os seus companheiros e os seus algozes respiraram. Caminhando por esses cenários antigos recebemos no rosto a mesma brisa que naquele dia fatídico de 1817 beijou-lhe a face extenuada de dor e patriotismo, como se uma última carícia da parte de Pernambuco pela sua luta em prol da República Brasileira.
Não há como fugir de uma reflexão sobre esses acontecimentos quando passamos por essas vias, e paramos um pouco na frente do prédio (modificado) do Arquivo Público Estadual na Rua do Imperador que foi naqueles dias a “cadeia velha” onde o carmelita foi aprisionado e, seguindo essa “via dolorosa”, chegamos ao Largo do Terço onde o mesmo foi desautorizado das suas vestes eclesiásticas. Continuando o roteiro chegamos ao Largo das Cinco Pontas onde aconteceu o arcabuzamento do mártir republicano. Encerrando a “Via Crucis”, chegamos ao Pátio do Carmo onde em frente da imponente Basílica e do Convento do Carmo não podemos deixar de nos lembrar que depois da sua execução o que dele restou foi jogado como trapo nas suas portas e que mesmo, no seu interior, esses restos repousam em lugar nunca revelado para que não fossem violados. Costume nefando e anticristão colocado em voga naquela época pelo abominável Governador Luis do Rego Barreto. O mesmo que violou a cova do desditoso Padre João Ribeiro de Melo Montenegro, um dos nossos mártires de 1817, para que a sua cabeça e demais partes do corpo fossem expostas em vias públicas.
Ainda sobre a Rua do Imperador, que já se chamou 15 de novembro e que era o caminho percorrido constantemente pelos alunos, inclusive Castro Alves, entre a célebre Faculdade de Direito e o Teatro Santa Isabel, foi durante anos a rua “mais politizada” do Recife. Essa rua teve muita importância por sediar na sua esquina com o Campo das Princesas um importante Quartel de Cavalaria e a maioria dos jarnais de Pernambuco desde o sec. XIX. Muita agitação, passeatas e correrias ali aconteceram, principalmente nas Campanhas: Abolicionista, da Proclamação da República, Civilista de Rui Barbosa, Salvacionista de Dantas Barreto, na Revolução de Trinta e em outros fatos importantes do Recife, do Estado e da Nação.
Como não se emocionar quando ae pisa o solo sagrado da Praça da República? Ela que já se chamou Campo do Palácio, onde existiu o imponente palácio das Torres de Nassau e o seu Jardim Botânico – o 1º do Brasil, Campo do Erário por ter sediado o Erário e posteriormente Campo da Honra, onde em cerimônia de gala foi abençoada a bandeira da Revolução Libertária Pernambucana de 1817 e ainda Campo dos Mártires por ter sido o cenário dos fuzilamentos e enforcamentos de diversos revolucionários como Lázaro de Sousa Fontes, Antônio Macário de Moraes, Agostinho Bezerra Cavalcanti, Antônio do Monte, Nicolau Martins Pereira, Jaime Heide Rogers e Francisco Antônio Fragoso, entre outros.
Como não fazer uma reverência ante o Teatro Santa Isabel, recordando as disputas amorosas e poéticas de Tobias Barreto e Castro Alves, ante as suas musas Eugênia Câmara e Adelaide Amaral, do alto dos seus camarotes; os discursos inflamados de Joaquim Nabuco, José Mariano Carneiro da Cunha e demais membros do Clube do Cupim em prol da abolição da escravatura; os discursos pela proclamação da República de Maciel Pinheiro, Silva Jardim e José Isidoro Martins Júnior; a oratória magnífica de Rui Barbosa durante a Campanha Civilista; as orações de José Neves e Assis Brasil pela grandeza do Brasil; a pregação democrática de Tancredo Neves pelas “diretas já”; a presença na sua ribalta de Ana Pavlova na dança; Sansone, Augusta Candini e Parodi na Ópera; Carlos Gomes, Euclides Fonseca, e José Augusto na música. As presenças cênicas de João Caetano, Furtado Coelho, Ângela Pinto, Palmira Bastos, Leopoldo Fróes, Apolônia Pinto, Itália Fausta e Dulcina de Morais, entre muitas outros glórias da Arte Dramática.
Como anular o eco dos memoráveis recitais de Guiomar Novaes, Magda Tagliaferro, Kreyler e Balduina Moreira, a célebre Bidu Sayão.
Mais recentemente a passagem por suas coxias de Samuel Campelo como Diretor do Teatro e como líder do famoso grupo Gente Nossa, Alfredo e Waldemar de Oliveira com o Teatro de Amadores de Pernambuco, Hermilo Borba Filho com o Teatro do Estudante de Pernambuco, Luis Marinho com o seu “Um Sábado em Trinta” e toda uma constelação de atores e atrizes que fizeram e fazem a grandeza do Teatro Pernambucano.
No seu venerado palco diversas gerações de alunas de Tânia Trindade, Flávia Barros e Ruth Rosenbaum executaram magníficas coreografias de balé clássico. Anos depois assistiu-se apresentações do Balé Popular do Recife.
Não podemos deixar de citar os recitais de Nelson Freire, Artur Moreira Lima, Marcos Caneca, e as grandes pianistas pernambucanas: Ana Lúcia Altino, Josefina Aguiar, Elyanna Caldas, Jussiara Albuquerque, Maria Clara Fernandes de Lima, entre outros.
Ainda no ex Campo da Honra, vale relembrar o espetáculo épico do valente guerrilheiro do Jacuípe, Pedro Ivo Veloso da Silveira à frente do seu Exercito cercando o palácio do Governo da Província na época da Revolução Praieira:
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Tendo à frente Pedro Ivo
em Pernambuco surgiu
nova força libertária
que se insurge no Brasil:
negros, mulatos e brancos
“os valentes cinco mil”.
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Canto e louvo a rebeldia
de um valente caudilho
comandante de guerreiros
herói de sabre e gatilho
Pernambuco se orgulha
de Pedro Ivo, seu filho.
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Como não acionar mais uma vez a sensibilidade ao se parar ante as escadarias da Basílica da Penha e pensar que ali descansam os restos mortais de duas grandes personalidades da História Brasileira: O primeiro é Dom Frei Vital Maria de Oliveira, célebre pelas suas posições contra certos ritos e segredos da Maçonaria e que originou a polêmica Questão Religiosa, ainda na Monarquia, que o levou a prisão na ilha das Cobras no Rio de Janeiro e cujas cinzas repousam em suntuoso túmulo de mármore no interior do templo. O segundo é o não menos famoso poeta baiano Gregório de Matos Guerra – glória da Literatura Barroca Brasileira, que tem os seus restos mortais sepultado em lugar ignorado da Basílica ou do Convento da Penha. Autor de vasta literatura sobre temas satíricos, políticos e religiosos, é mais conhecido como o “Boca do Inferno” devido a sua verve crítica e impiedosa contra a Monarquia, o Estado, Igreja e o Clero.
O descanso das cinzas de Gregório de Matos no coração da cidade do Recife, cidade que lhe serviu de abrigo e bálsamo na sua aventura terrestre, após sua expulsão da Bahia e do exílio em Angola, talvez seja a única reparação da História por todos os males causados pela Bahia a Pernambuco, como as invasões do nosso território em 1817 e 1824 pelas forças monarquistas, a ocupação da nossa Comarca do São Francisco e a polêmica compra da coleção Rodrigues. Isto, porém, serão temas de outras postagens. Fiquemos então, envolvidos pela poesia de Gregório de Matos Guerra.
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Mandai-me, Senhores, hoje
que em breves rasgos descreva
do Amor a ilustre prosápia,
e de cupido as proezas.
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Este, que a Sansão fez fraco,
este, que o ouro despreza,
faz liberal o avarento,
é assunto de poetas.
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Faz o sisudo andar louco,
faz pazes, ateia a guerra,
o frade andar desterrado,
endoidece a triste freira.
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Um antídoto que mata,
doce veneno que enleia,
uma discrição sem siso,
uma loucura discreta.
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O Amor é finalmente
um embaraço de pernas,
uma união de barrigas,
um breve tremor de artérias.
Uma confusão de bocas,
uma batalha de veias,
um reboliço de ancas,
quem diz outra coisa, é besta.
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Encerrando a presente postagem, vale passar pela confluência da Av. Guararapes com a Av. Dantas Barreto para uma reverência a memória da Igreja e do Hospital do Paraíso que ali existiram e onde os revolucionários da Academia do Paraíso se reuniam para ouvir os discursos e as palavras de ordens do nosso mártir maior Frei Joaquim do Amor Divino Caneca.