11129278

11129278

quarta-feira, 20 de junho de 2012

A chegada de Jesus Cristo em Olinda em 1998






 






 











 









...................................................................................................................................................................


A chegada de Jesus Cristo em Olinda
Na Sexta-Feira Santa de 1998

         Marcos Cordeiro


Sexta-feira santa em Olinda.
Os sinos mudos pelo sagrado luto
cedem soluços às matracas roucas
na Igreja de Nossa Senhora da Graça
do Seminário dos Jesuitas.

Mais ao longe, em coro, outras respondem:
Na Sé do Salvador do Mundo, e no Convento de São Francisco.
No Convento da Misericórdia e no Recolhimento da Conceição.
No Mosteiro do Monte e na Igreja do Amparo dos Homens Pardos.
Também na Igreja de São João dos Militares
e em Nossa Senhora do Rosário dos Pretos do Bonsucesso
e, mais adiante, em Nossa Senhora do Guadalupe.
Descendo a colina da Misericórdia
ouve-se o lamento de outras matracas:
da Igreja do Senhor Bom Jesus do Bonfim,
de Nossa Senhora da Boa Hora e do Carmo.
De São Sebastião e São Pedro Apóstolo,
Mosteiro de São Bento e Convento do Desterro
e junto às ondas do mar Atlântico
As da Igreja da Santa Cruz dos Milagres
e da Capelinha de São José do Ribamar.

Logo cedo em procissão
muitos, em toda parte,
escondendo-se de suas vias trágicas,
O viram, caminhando num andor de lágrimas,
pelas duas Beiras e por Évora.
Passou em Castela e Andaluzia.
Após Leon e após Sevilha,
penitente e peregrino aqui chegou, a Pernambuco.
Passando pela devoção de toda a gente,
após Sertânia, Jabitacá e Conceição da Pedra
em Olinda, na sua Sé, Ele chegou.

Na velha Sé o eco fúnebre se anuncia
nos bombardinos e trompas de harmonia.
Os tambores surdos se proclamam altos
e marciais abrem alas à passagem
do Santo Cristo – o mesmo de Ipojuca,
pelas ladeiras e ruas de Olinda.

Carregando a sua humana cruz,
sobre o andor que se move na cadência
do ritmado toque dos tambores,
Jesus avista além da clara Olinda
as águas mornas e os mangues soterrados
de um bravo rochedo – o Recife libertário.

Mais além ainda, as altas nuvens
e os altos montes das batalhas
de Pernambuco pela liberdade
no solo rubro dos Guararapes.

O vento esvoaçante nas palmeiras
dançarinas da Praça do Carmo,
acaricia ternamente as sabiás
que habitando céus e campanários
veem, contritas, o Salvador passar.

As vozes lamentosas dos fiéis
sobre as ladeiras e outeiros de Olinda
penetram o tempo antigo dos beirais,
sob as arcadas seculares de calcário.

Bordado em ouro e de veludo roxo
o Santo Cristo sob um dossel de flores
começa a caminhada por Olinda.
Saindo do alto da Sé segue o cortejo.
Da Misericórdia vai ao rumo dos seus passos,
pelas capelas erguidas na cidade:
Passo da Sé, Amparo, Quatro Cantos,
Passo do Senhor Apresentado ao Povo
e o Passo da Ribeira.

Nas varandas e muxarabis
colchas bordadas e brocados ricos
fazem cenário ao divino caminhante
no seu cortejo de rei e apenado
por ter nascido homem
e por isso condenado:
A ser traído, julgado e assassinado,
por seus algozes – irmãos ou aliados,
ou mesmo pelo mais vil destino.

Os que o levam entre flores e cetins,
dizendo preces, cantos e louvores,
logo mais, na primeira hora
a outro Cristo farão sofrer,
outro tormento, outro julgamento,
para morrer outra vez crucificado
como Esse que nas ruas de Olinda
relembra aos tolos e aos esquecidos
a paixão e morte de todos os homens.

Ao longe, os ventos fugitivos do Atlântico
no pentagrama dos coqueiros dos Milagres,
rege alegremente sanhaçus e bem-te-vis,
que isentos de pecados, crimes e certezas,
saúdam um pobre caminhante.



                                                                                                     OLINDA, 1998.